Para sempre Alice — Por que assistimos filmes tristes?
Qual o sentido de perder duas horas vendo uma história que nos irá angustiar?
Uma possível resposta talvez esteja no poema do uruguaio Mario Benedetti,
chamado ‘A Alegria da Tristeza’ onde diz que ‘há uma alegria estranha /
desbloqueada / de saber que ainda podemos ficar tristes’.
Para Sempre Alice é um filme triste. Não tem como não ser, pois nos conta a história
de uma professora em lingüística, interpretada por Julianne Moore, que aos 50
anos descobre possuir o mal de Alzheimer, numa variante de feroz
progressividade. O longa, assim, dedica-se a revelar a maneira em que a doença
afetará tanto à professora quanto ao resto da sua família, composta pelo seu
marido (um contido Alec Baldwin) e seus três filhos.
Narrar a
decadência de uma mente brilhante que fatalmente irá se apagar é sempre uma
historia triste. Mas há formas de encarar a tristeza, e isso tem a ver com o
efeito que se deseja produzir no espectador: pena, raiva, indignação, lástima,
etc. Para Sempre Alice procura, apenas, aquela ‘alegria da tristeza’
de Benedetti. E não é pouco.
Tanto a
direção quanto o desempenho de Julianne Moore se destacam por aquilo que é um
dos maiores atributos dos grandes artistas: saber o que deixar fora da sua
obra. No caso dos diretores Richard
Glatzer e Wash
Westmoreland há
de se mencionar a decisão de manter durante quase todo o filme um tom livre de
comiserações e apelações demagógicas. Nem sempre isto é atingido – há alguma
que outra queda no sentimentalismo — mas reconforta saber que as cenas que mais
impactam no filme não são aquelas onde vemos a Alice vitima da enfermidade. O
que realmente emociona são os momentos onde ela luta e se debate contra o
olvido, como, por exemplo, na cena da palestra que realiza na associação que
combate a doença.
Faço um
parêntese aqui para apontar a contradição entre o título original, Still
Alice (Ainda Alice) e o que colocaram os distribuidores locais, Para
Sempre Alice. Aquele é uma manifestação de resistência; este, uma inútil
expressão de desejo. Parafraseando Rita Lee, aquele é cinema; este é novela.
A
interpretação de Julianne Moore demonstra mais uma vez o grande talento que tem
para assumir uma personagem sob forte carga emocional, com a sensibilidade e a
dignidade que já demonstrara, por exemplo, naquela atriz pornô de espírito
maternal de Boogie Nights; na dona de casa doente de Safe;
na mãe que deve provar a existência de seu filho morto em Os
Esquecidos; na esposa que vê o seu mundo cair em Longe do Paraíso. A
atriz ganhou este ano o Oscar por Para Sempre Alice, mas o premio foi
também um reconhecimento aos seus trabalhos anteriores. Moore representa, como
poucas mulheres, a dualidade entre a força e a fragilidade que toda mulher
carrega.
O grande
logro de Para Sempre Alice é que evita a tentação da lagrima fácil e dos golpes
baixos. Com efeito, o filme escolhe transitar pelo caminho da dignidade, do
carinho, e, principalmente, do pudor. Pois há pudor ao não humilhar a
personagem; ao ampará-la durante o trajeto ao seu destino inevitável. Isto se
manifestará, principalmente, ao se acenderem as luzes do cinema e percebermos
até onde foi contada a história de Alice.
Não vou
revelar os detalhes do desfecho. Direi, apenas, que os realizadores optam pela
respeitosa decisão de finalizar o longa mostrando aquela Alice. A Alice que,
apesar de tudo, ainda é. Aquela Alice que, antes de se adentrar nas terras incógnitas
do esquecimento permanente, ainda possui uma frestinha de lucidez para dizer,
com enorme esforço, sua última palavra no filme e que, talvez, seja a última
que dirá para sempre. A palavra mais importante de todas.
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