Quintin (apelido de Eduardo Antin) é uma figura interesantíssima dentro da blogosfera argentina. Foi fundador da revista de cinema “El Amante” e diretor do Festival de Cinema Independente de Buenos Aires. Já citei algumas críticas dele, como aquela acerca de “Tropa de Elite” onde arrebenta (com razão) o filme de Padilha.
Vejam um fragmento do curioso post que escreveu acerca de ‘Budapeste’ de Chico Buarque:
“Na matéria de Beatriz Sarlo que comentamos dias atrás fala-se de Chico Buarque como um autor importante que é lido por um público minoritário. Sarlo fala ‘dos notáveis romances de Chico Buarque’ e quando li isso não acreditei. Tem muita gente que elogia o brasileiro sem medida: de Eduardo Duhalde até os inúmeros (e insuportáveis) seguidores de Caetano Veloso. Só falta agora que Chico Buarque seja um grande escritor, pensei. Não que tenha a priori nada contra o Chico Buarque, acontece apenas que forma parte dessa massa indistinta que é, na minha opinião, a música popular brasileira, na qual apenas consigo distinguir João Gilberto dos outros. É verdade que o meu caso é de preconceito total, preconceito e ignorância, mas de repente lembrei que tinha um romance de Buarque na biblioteca:Budapeste (2003). Lembrei também que uma vez alguém confiável me indicou o romance, indicação que suspeitei pelas razões já expostas. Apenas cheguei a comprar o livro e lá o deixei.
[...] chegamos ao Buarque escritor, que já desde a orelha do livro nos olha com empáfia e vestindo um suéter de gola. O que faz um carioca com um suéter de gola? Continua exilado o Buarque? O problema é que o cara ri com esse ar de presunção porque Budapeste é um romance incrível, de um escritor que apenas pode ser descrito como magistral.”
[...]Há muito mais em Budapeste. Especialmente, porque é também um grande livro sobre literatura, herdeiro do Pierre Menard de Borges. Como Borges, Buarque fala do caráter ilusório da autoria, mas em outros termos. Se El Quijote de Menard tem dois (ou infinitos) autores, os livros que aparecem em Budapeste não possuem nenhum: quem figura como autor não o é, e o autor verdadeiro não pode se revelar. Contudo, mais importante que a verdadeira paternidade do romance (o que, em definitiva, seria um assunto fútil), o que em Budapeste aparece em cada novo jogo de espelhos e de confusões é a inevitável separação entre o escritor e a sua obra, entre uma pessoa cujo destino é ser um farsante, um assinante de autógrafos, carne mediática degradada, e um livro que em definitiva não é de ninguém porque sempre há outra voz por detrás da escrita: um dublê, um fantasma, uma voz detrás da voz, a própria língua. De novo a idéia borgeana (os livros não são de ninguém e são de todos), com a qual Buarque brinca do começo ao fim do romance de cuja orelha nos olha desafiador, como o cara que nunca perdeu um jogo de futebol. Ao mesmo tempo, sua curiosa situação no mundo cultural faz com que possa encarnar sua tese: depois de tudo, é famoso pela sua música e não parece que vá ser muito reconhecido pela sua literatura, confusão que o coloca na mesma situação de José ou Sosze Costa, seu escritor oculto, festejado por motivos errados e ignorado pelo seu trabalho mais pessoal.
[...]É bem possível que ninguém esteja em condições de saber ao todo (começando por ele próprio) se seu trabalho literário é o de um grande autor ignorado ou o de alguém que nunca perdeu completamente seu sotaque estrangeiro e sempre será um outsider. Essa ambigüidade faz ainda mais interessanteBudapeste: afinal, não terminamos de entender como funciona essa maquina chamada literatura."
Agora me deu vontade de ler Budapeste.
A matéria completa de Quintín, em espanhol, está aqui.
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