segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O abuso da estatística

Como vocês sabem, Cristina Kirchner ganhou a eleição presidencial argentina por uma margem expressiva. O escritor argentino Martin Caparrós analisa o triunfalismo dos vencedores para se perguntar sobre validade da razão democrática. Não que ele desqualifique a Democracia, como fazia Borges ao defini-la com a frase que é título deste post. Mas o que Caparrós faz é se perguntar porque ela serve apenas para governar, se não é boa para legitimar outras questões.

Traduzo aqui alguns parágrafos da sua matéria, publicada no seu blog de El País, porque acho que é especialmente interessante para nós, blogueiros campistas, que provavelmente vamos experimentar ano próximo uma confirmação popular do método Garotinho de governo, tão parecido ao Peronismo.


"Houve eleições e foram, claro, o grito da Vox Populi: uma grande quantidade de pessoas argentinas –mais de um terço dos habilitados para votar, e mais de um quarto de todos os argentinos- disseram que preferiam que o governo continuasse sendo o mesmo. Ai então aqueles que não gostavam do governo começam a duvidar, e aqueles que gostam ficam orgulhosamente seguros: receberam o famoso veredicto das urnas, que os declarou inocentes ou mais do que inocentes: vencedores. Esse veredicto, dizem, confirma suas idéias, demonstra que tem razão: se alegram porque os números lhes dizem que tem razão.

E é ai onde eu duvido, e me surpreendo diante do método. Por que certas pessoas desconfiam do juízo da maioria quando avaliam um programa de TV, um livro, uma música, uma conduta, mas o reivindicam como valor definitivo quando avaliam um projeto de governo? Por que o fato que muitos votem num candidato o faz melhor, valioso, válido, mas o fato de muitos lerem Paulo Coelho, por exemplo, o faz dele um picareta oportunista? Por que a quantidade legitima um governo, mas não um programa de TV de sucesso? Essas pessoas estão dispostas a dizer que as maiorias erram quando escolhem assistir bundas na televisão, ou ao atacar os estrangeiros ou ao defender a pena de morte, mas não erram quando escolhem votar à Frente Para a Victoria (partido dos Kirchner)? Estão dispostos a sustentar que há assuntos onde a quantidade vale como sanção e outro onde não vale? Estão dispostos a argumentar que a razão democrática deve ser aplicada às eleições políticas, mas não ao resto? É um problema.

É um problema. A razão democrática é um problema. Na política, a quantidade serve para ganhar, mas não para provar o acertado de um projeto. A menos que acertado seja ser votado e entremos na tautologia. Se, como dizia um general local, a força é o direito das bestas, a quantidade é o direito de quem? Tenho possíveis respostas, mas tenho, sobretudo, dúvidas. É verdade – me dirão e eu digo- que ainda não se inventou nenhum método melhor do que a quantidade para legitimar a instalação de um governo. Então simulamos que não apenas é, por enquanto, o melhor, mas que também é bom. E acreditamos no seu mecanismo e nos seus resultados, ainda que recusemos esse mecanismo em outros âmbitos.
É um problema.
Duvido.

Duvido: é incontestável que a razão democrática tem dado, na Argentina e no mundo, resultados tão pobres, com tanto sofrimento. Duvido: que pareça a menor pior, é motivo bastante para pensar que é essa prática é boa? Ou deveria ser para procurar ansiosamente outras? É o que dizem, penso, sem dizer, aquelas pessoas que sabem que o Ibope da TV, de Berlusconi ou de Coelho não os muda, não os faz melhores."

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