quarta-feira, 7 de março de 2018

A INIMIGA DA ARTE



Por que detestei o filme A Forma da Água, ou melhor, os Oscars que recebeu:


Leio a entrevista que o jornal espanhol El País fez ao escritor peruano Mario Vargas Llosa, por ocasião do lançamento de seu novo livro, “La Llamada de la Tribu”, onde Llosa faz uma autobiografia intelectual através dos pensadores que o levaram desde o comunismo, que abraçou nos anos 60, até o liberalismo.

O título da matéria sobre a entrevista é “A Correção Política é Inimiga da Liberdade”, frase que o escritor peruano solta no meio da conversa com o jornalista e que este não poderia deixar de aproveitar. Instado a explicá-la, Llosa diz:

“A correção política é inimiga da liberdade porque rechaça a honestidade, isto é, a autenticidade. Deve ser combatida como uma desnaturalização da verdade”

Ao ser indagado se as obras literárias que expressam o pensamento de canalhas, ou que são por estes produzidas, devem ser respeitadas, Llosa é contundente:

“Não apenas devem ser respeitadas. Devem ser publicadas. Se você começa a julgar a literatura em função da moral e da ética, a literatura não apenas fica dizimada, ela desaparece... não teria razão de existir. A literatura expressa aquilo que a realidade teima em ocultar por diversos motivos. Nada estimula o espírito crítico numa sociedade como a boa literatura, sem contar a beleza que significa e o prazer que produz. Mas a literatura e a moral se confrontam, são inimigas, e você tem que respeitar a literatura se acredita na liberdade.”

Se no parágrafo anterior se substituísse ‘literatura’ por ‘cinema’, a sua lógica permaneceria intacta (aliás, poderia ser substituída pela palavra ‘arte’, e pronto).  Muitas das principais obras primas da cinematografia foram politicamente incorretas. Pra começar, lembremos “O Nascimento de uma Nação” (1915) de W. D. Griffith, com sua exaltação ao Ku Klux Klan, ou a visão pró-sulista da guerra civil americana que mostra “E o Vento Levou” (1939). Outros exemplos clássicos são toda a obra nazista da documentarista Leni Riefenstahl, os filmes de Luis Buñuel, e quase todo o cinema de comédia italiano dos 60 e 70, com expoentes marcantes como “Caros Amigos” (1975) de Mario Monicelli, e especialmente “Feios, Sujos e Malvados” (1976) de Ettore Scola, um filme que seria impossível de ser realizado hoje.

É por isso que, para este que escreve, a consagração no domingo passado do filme “A Forma da Água” na entrega dos prêmios Oscar, é tão revoltante. Nada contra o sexo interespécies – que fique claro. O que indigna é que o cerne do filme seja a intenção de satisfazer e confirmar a visão politicamente correta de que os deficientes (com ascendência latina), os homossexuais e os negros são os bonzinhos, os oprimidos e os rechaçados, enquanto o branco norte-americano é um ser poderoso, consumista e desumano. Afinal, nessa divisão arbitrária há também uma generalização estúpida – nem todos aqueles são tão virtuosos, nem estes são todos tão malvados.

A Academia de Hollywood preferiu, como costuma fazer com não pouca frequência, premiar aquilo que acha que são suas próprias virtudes, que neste caso seria estar politicamente do lado certo. Parece ignorar que o que faz grande o cinema (ou a arte) é a ousadia, a contradição, a complexidade e o estímulo ao pensamento, como fez o filme Três Anúncios para um Crime, por exemplo. Chancelar o que já pensamos sobre os direitos sociais, e ficar por ai mesmo, é pouca coisa para merecer um prêmio.

A entrevista a Vargas Llosa, em espanhol, pode ser lida aqui.

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