Por que detestei o filme A Forma da Água, ou melhor, os Oscars que recebeu:
Leio a entrevista que o jornal espanhol El País fez ao
escritor peruano Mario Vargas Llosa, por ocasião do lançamento de seu novo
livro, “La Llamada de la Tribu”, onde Llosa faz uma autobiografia intelectual
através dos pensadores que o levaram desde o comunismo, que abraçou nos anos
60, até o liberalismo.
O título da matéria sobre a entrevista é “A Correção Política
é Inimiga da Liberdade”, frase que o escritor peruano solta no meio da conversa
com o jornalista e que este não poderia deixar de aproveitar. Instado a explicá-la,
Llosa diz:
“A correção política é inimiga da liberdade porque rechaça a
honestidade, isto é, a autenticidade. Deve ser combatida como uma
desnaturalização da verdade”
Ao ser indagado se as obras literárias que expressam o
pensamento de canalhas, ou que são por estes produzidas, devem ser respeitadas,
Llosa é contundente:
“Não apenas devem ser respeitadas. Devem ser publicadas. Se
você começa a julgar a literatura em função da moral e da ética, a literatura
não apenas fica dizimada, ela desaparece... não teria razão de existir. A
literatura expressa aquilo que a realidade teima em ocultar por diversos
motivos. Nada estimula o espírito crítico numa sociedade como a boa literatura,
sem contar a beleza que significa e o prazer que produz. Mas a literatura e a
moral se confrontam, são inimigas, e você tem que respeitar a literatura se
acredita na liberdade.”
Se no parágrafo anterior se substituísse ‘literatura’ por
‘cinema’, a sua lógica permaneceria intacta (aliás, poderia ser substituída
pela palavra ‘arte’, e pronto). Muitas
das principais obras primas da cinematografia foram politicamente incorretas.
Pra começar, lembremos “O Nascimento de uma Nação” (1915) de W. D. Griffith,
com sua exaltação ao Ku Klux Klan, ou a visão pró-sulista da guerra civil
americana que mostra “E o Vento Levou” (1939). Outros exemplos clássicos são
toda a obra nazista da documentarista Leni Riefenstahl, os filmes de Luis
Buñuel, e quase todo o cinema de comédia italiano dos 60 e 70, com expoentes
marcantes como “Caros Amigos” (1975) de Mario Monicelli, e especialmente
“Feios, Sujos e Malvados” (1976) de Ettore Scola, um filme que seria impossível
de ser realizado hoje.
É por isso que, para este que escreve, a consagração no
domingo passado do filme “A Forma da Água” na entrega dos prêmios Oscar, é tão
revoltante. Nada contra o sexo interespécies – que fique claro. O que indigna é
que o cerne do filme seja a intenção de satisfazer e confirmar a visão politicamente
correta de que os deficientes (com ascendência latina), os homossexuais e os
negros são os bonzinhos, os oprimidos e os rechaçados, enquanto o branco
norte-americano é um ser poderoso, consumista e desumano. Afinal, nessa divisão
arbitrária há também uma generalização estúpida – nem todos aqueles são tão
virtuosos, nem estes são todos tão malvados.
A Academia de Hollywood preferiu, como costuma fazer com não
pouca frequência, premiar aquilo que acha que são suas próprias virtudes, que
neste caso seria estar politicamente do lado certo. Parece ignorar que o que
faz grande o cinema (ou a arte) é a ousadia, a contradição, a complexidade e o
estímulo ao pensamento, como fez o filme Três Anúncios para um Crime, por
exemplo. Chancelar o que já pensamos sobre os direitos sociais, e ficar por ai
mesmo, é pouca coisa para merecer um prêmio.
A entrevista a Vargas Llosa, em espanhol, pode ser lida aqui.