segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O escândalo berlinês - por Eduardo Antin (Quintin)



A entrega do Urso de Ouro no Festival de Berlim ao filme brasileiro Tropa de Elite é um dos grandes escândalos do cinema internacional, talvez o maior em muito tempo.

Trata-se de um filme fascista que, com a desculpa de mostrar cruamente a batalha entre policiais e narcotraficantes no RJ, apela à apologia da violência policial, da tortura e do assassinato.

Moralista, torpe na narração, esquemático em seus planteios ideológicos, básico na construção dos personagens, aborrecedor pela utilização excessiva da câmera em mão e definitivamente insuportável pela sua voz em off, Tropa de Elite é um pastiche fílmico, cuja única originalidade é a glorificação dos agentes do Bope, corpo paramilitar de uniforme preto e caveira como símbolo (assim como as SS nazistas), e de seus macabros métodos de treinamento, investigação e combate.

Caso alguém acredite que a eventual qualidade do filme o resgataria de questionamentos ideológicos, é necessário dizer que esta não é a oportunidade para discutir o assunto: TdE é muito ruim, apenas uma mistura subdesenvolvida dos seriados de tv americana.

O longa-metragem foi um sucesso absoluto no Brasil, onde teve três milhões de espectadores legais e um dvd pirata vendeu 10 milhões de copias. Give up your fucking sensibilities, adverte uma legenda ao espectador estrangeiro e, justamente, tem que deixar de lado toda sensibilidade estética para digerir esta bomba massiva. É ridículo ser ambíguo com um produto semelhante, resgatar uma atuação ou a trilha sonora ou justificar o filme pela atualidade da estória. O que interessa realmente é se perguntar como uma película como esta pode vencer num foro como o de Berlim, que se declara essencialmente humanista e tem feito um culto da correção política e da defesa dos direitos das minorias.

Há varias razões para explicar este premio absurdo, mas penso que a mais importante é um pacto tácito que opera há muito tempo no mundo cinematográfico: a celebração do exotismo terceiro-mundista. A exploração na tela da violência e a miséria tem sido sempre um grande negocio para os festivais e co-produtores europeus e americanos, mas ninguém como o cinema brasileiro soube aproveitar desta debilidade – por chamar de algum modo. No começo foi Glauber Rocha, grande poeta com enorme habilidade para as relações públicas, quem conquistou Europa para o Cinema Novo, movimento que deu algumas obras-primas e uma coleção de banalidades que proclamavam sua filiação de esquerda. Chegou a vez, então, de um cinema chamado de popular, que começou com Dona Flor e seus Dois Maridos e acabou numa escola conhecida como Pornochanchada. No decorrer desses anos foi se gerando uma articulada unidade na industria do cinema brasileiro, cujos produtores lograram que a causa de seus bolsos fosse defendida como a causa do Povo e da Nação.

Com o tempo, esse pacto se manteve, embora o aspecto ideológico fosse mudando. Do descarnado Pixote de Babenco passou-se a Central do Brasil, de Walter Salles e sua mirada conciliadora sobre o trafico de órgãos. Depois chegou Cidade de Deus e sua glamourização da violência na favela, que abriu o caminho a Tropa de Elite, etapa previsível na degradação. José Padilha, o diretor, se fez conhecido com Ônibus 174, documentário que denunciava a violência policial no RJ. Mas rapidamente pulou para a ficção e também para o outro bando na guerra das drogas. O conheci há alguns anos. È um cara muito simpático, progressista, articulado, moderno. Mas nunca soube filmar e esse é o verdadeiro problema. O mesmo que teve sempre Costa-Gavras, diretor lastimável e presidente do júri que outorgou o vergonhoso prêmio. Negar a implacável gramática da arte engendra essa curiosa criatura que é o fascista por ignorância.

Um comentário:

xacal disse...

Don Alejandro,

Tiste cinema esse...outra face dessa nefasta união de desígnios é a pasteurização de teledramaturgia paraa tela grande, num vergonhoso esquema de retroalimentação, onde a película serve apenas para legitimar uma forma hegemônica e monolítica de expressão...Daniel Filho, Denis Carvalho, etc, etc. bahhh...

Quanto a questão da violência, penso que a estética da violência pode ser obra prima...Laranja Mecânica; O Bravo, com Jonnhy Deep e Marlon Brando; Em nome do pai...etc.
O problema é a violência estética...

Xacal.