Roberto Pompeu de Toledo é um dos colunistas mais moderados e equilibrados a revista Veja. Por isso me surpreendeu sua matéria publicada na edição deste fim de semana que fala da vitória de Lugo no Paraguai.
Pompeu de Toledo se surpreende de que os paraguaios evoquem a figura do Marechal Solano Lopez ao compará-lo ao presidente eleito semana passada. Solano Lopez foi o presidente do Paraguai durante a infame Guerra da Tríplice Aliança, ou mesmo Guerra do Paraguai, que entre 1865 e 1870 enfrentou àquele pais aos da Argentina, Brasil e Uruguai.
No seu artigo, Pompeu recomenda aos paraguaios escolher uma figura histórica melhor do que a de Lopez, quem segundo ele “montou uma ditadura em que vizinhos espiavam vizinhos, filhos delatavam pais e padres funcionavam, nos confessionários como espiões. Encarcerou, torturou e matou.” Mas adiante afirma que “Lopez comandava um pais miserável e um exercito maltrapilho, por ele lançado numa aventura militar e com tanta chance de sucesso quanto, um século depois, a do argentino Galtieri contra os ingleses na disputa pelas Malvinas.”
A primeira coisa que me passou pela cabeça foi a constatação da enorme diferença de conceito que os brasileiros tem da Guerra do Paraguai em relação a argentinos e paraguaios.
Para nos argentinos, essa guerra foi uma vergonha, uma mancha na historia sulamericana. Um conflito armado que, alem de ceifar uma enorme quantidade de vidas, determinou o destino do Paraguai ao que ele é hoje em dia: o sinônimo de pais bananeiro sem lei, que vive do contrabando e de instituições democráticas muito frágeis.
Pois embora as versões brasileiras e argentinas não concordem na descrição do Paraguai antes da guerra ( o segundo pais mais desenvolvido das Américas, atrás dos Estados Unidos: a primeira linha ferroviária, os primeiros telégrafos e a primeira fundição de ferro de toda América do sul estavam instaladas em Assunção e Ybycu'i ; o primeiro buque feito na região feito com carcaça de aço, o Yporâ, foi construido nos astilheiros da capital paraguaia. A educação era obrigatória e gratuita, etc, etc.), não há disenso na hora de relatar a situação do pais depois do conflito: sua população se reduziu de 1.525.000 habitantes para aproximadamente 221.000 dos quais apenas 28.000 eram homens, a maioria crianças e idosos; o Paraguai perdeu 168 mil km² para Argentina (provincia de Formosa) e Brasil ( Mato Groso).
Aliás, se o exercito paraguaio era maltrapilho, como se explica que tenham sido necessário tres paises (sem contar a Inglaterra como financiadora destes) e cinco anos para derrotá-lo?
Solano Lopez não se ajustava aos padrões democráticos de hoje, certamente. Mas quem se ajustava naquela epoca? O império do Brasil com uma monarquia que mantinha a escravidão? A Argentina com sua democracia fajuta, na qual apenas uma elite votava? Razoar dessa maneira sem atender ao contexto histórico é tão errado quanto dizer que os romanos foram um povo atrasado porque praticavam a pena de morte.
Pompeu não fala da intervenção brasileira no Paraguai depois da guerra, que até 1876 funcionou como um estado brasileiro, nem das reparações econômicas que lhe foram impostas, obrigando a se endividar com a banca britânica, e que selaram seu destino como o segundo pais mais pobre de América do Sul.
Mas suspeito que a culpa não é somente dele. O resto do Brasil compartilha essa visão do que foi e do que é o Paraguai, e não tem muita ideia do que aconeceu naquela guerra. Daí talvez a surpresa com o rancor paraguaio, que não começou com a construção da represa de Itaipu.
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