domingo, 20 de julho de 2008

Aforismos de Ernesto Esteban Etchenique

(Extraído de uma matéria da revista "Recua")por R. Fontanarrosa

No rosto de Ernesto Esteban Etchenique sempre habita um sorriso de beatitude. Seu olhar é claro e transparente. E suas mãos, frágeis, parecem desenhar no ar o gesto de uma caricia.

É um homem simples, ao ponto que seria difícil reconhecer nele ao autor de tantas e tantas frases maravilhosas, abundantes de intenção e sabedoria.

Ernesto Esteban Etchenique é, acima de tudo, um homem sensível. Seus olhos se enchem de lágrimas com uma facilidade comovente. O simples fato de contemplar um pôr do sol, o vôo de um pássaro, um ônibus indo embora ou a sombra de um catálogo telefônico sendo projetada numa parede, obtém o milagre, repetido milagre, de embaçar seus olhos e que seus lábios sejam estremecidos perante a iminência do choro.

- As vezes penso que a minha audácia não tem limite- nos sorri, esperto- quando me atrevo a desbravar um gênero que teve mestres como Antonio Porchia e outros. Com meus aforismos, com meus humildes aforismos, com essas despojadas frases que reúno com uma paciência de ourives, não é muito o que pretendo. É minha intenção, apenas, brindar ao meu próximo, ao ser humano, a chave que lhe permita acessar ao Esclarecimento Definitivo. À Verdade Eterna.

Para isso, Ernesto Esteban Etchenique escolheu um dos caminhos mais difíceis e sacrificados: o do cultivo de aforismos. Esse permanente empenho de captar o medular, de resumir em duas palavras, três no máximo, cinco se for necessário, o imenso e complexo sentido da Vida. Essa vocação por construir com o mínimo, asceta da literatura, uma catedral maravilhosa de idéias, de sentires, de mensagens.

- Eu entendo que não é fácil para o leitor médio –reconhece para "Recua" Ernesto Esteban Etchenique- conseguir captar, em frases tão sucintas, tão carentes de enfeites, tão primarias, esse conteúdo que abre janelas, que engrandece horizontes, que gera criação...

Ernesto Esteban Etchenique não consegue prosseguir. Um surto de choro o dobra sobre si mesmo. Compreendemos que não ia ser possível continuar com a entrevista. Não apenas devíamos vencer sua particular introspecção, sua resistência a falar acerca de sua pessoa e sua obra, mas que agora o encontramos comovido diante a emoção que lhe produz a visão das pilhas de nosso gravador. “Lembram, e esquecem que lembram”, nos presenteia.

Devemos buscar novos rumos para nossa matéria e Angelita, sua companheira da vida, sua mulher-namorada-mai, é quem aceita aportar uma anedota que ajudará a que o leitor de “Recua” possa formar uma imagem mais precisa e total de Ernesto Esteban Etchenique.

- Conheci Ernesto numa Féria do Livro – nos conta com uma voz que revela seu sentimento- lá no ano de 1945. Embora ele fosse muito novo, eu já sabia de sua fama e seu talento. Tinha lido algumas matérias dele, pequenos poemas, sonetos, na revista “Albor”. Tinha lido também seus primeiros aforismos, sem saber que eram aforismos: eu achava que eram títulos de livros anteriores. Como desculpa, tem que considerar que era apenas uma garota, não tinha feito 17 anos e os 17 daquela época não eram os 17 de agora. Ainda assim, desafiando minha enorme timidez, juntei coragem, ainda não sei como, e me decidi a lhe falar.
Lembro que utilizei uma desculpa boba: lhe perguntei, fingindo ser redatora de um jornal estudantil, que pensamento, que conclusão lhe deixava a Feira, aquele cenáculo de saber, aquele âmbito de erudição e cultura. Ernesto olhou pra mim, lembro, e por um bom tempo não respondeu. Sem duvida, estava procurando em seu cérebro a frase justa, sem aditamento nenhum; essas poucas palavras que refletissem plenamente uma reflexão precisa de toda aquele universo literário. Recordo que me fez um gesto para que aguardasse, depois pegou um lápis e num pequeno papel escreveu duas palavras, somente duas palavras. Dobrou o papelzinho e, sempre sem dizer nada, me o deu. Fui para minha casa apertando esse papel na mão como se apertasse um tesouro, sem ter coragem de abri-lo. Já na solidão do meu quarto, abri o papelzinho e dizia: “Estou afônico”. Ali entendi que aquele homem maravilhoso precisava de alguém que lhe tricotasse um cachecol.

Aforismos de Ernesto Esteban Etchenique


O pássaro é livre. O seria ainda mais se fosse solteiro.

Um desenho vale mil palavras. E se for de Picasso...

O louro plagia a palavra, mas quem está preso é o canário.

Por muito alta que seja a montanha, não ultrapassa seu próprio cume.

Quem ri por ultimo, da desgraça alheia, ri melhor.

Os meus aforismos são como os bons vinhos, enquanto o tempo passa, vão ficando mais caros.

O aforismo é uma flecha. Parte de minha boca e se crava em teu olho.

Deus aperta mas não afoga nem cai no sadismo.

Uma palavra pode ferir, mas uma martelada é brutal.

A rosa tem espinhas, mas...tem pétalas o atum?

Recriminas ao surdo que não te ouve. Fala mais forte!

Deus apontou-me com o seu dedo, e o enfiou em meu olho!

Ainda te vendo suja e bêbada, me ajoelho e te digo: “Mãe!”

Se acreditas na reencarnação não ri da fealdade do sapo.

O pontapé que me destes...não será uma opinião?

Te daria todas as estrelas, mas teimas por um par de sapatos.

Quanto mais subo, mais baixo. Quanto mais baixo, mais subo. O que ta me acontecendo?

“Não é fácil que um camelo entre ao reino dos Céus” (provérbio árabe).

Quis me conhecer a mim mesmo. Quando me achei, tinha mudado muito.

Aprende-se mais na derrota do que na vitória, mas... prefiro essa ignorância!

Quem nada deseja, é suspeito.

Soube perdoar à mulher adultera. A minha pedra não a atingiu.

O espírito do virtuoso é como um espelho. Olhas nele e podes te pentear.

No mundo há Bondade e Maldade. Justiça e Injustiça. Arvores e tartarugas. Há muitas coisas.

Para o Sábio não existe a riqueza. Para o Virtuoso não existe o poder. E para o Poderoso não existe nem o Sábio nem o Virtuoso.

Aquele que tocou o céu com as mãos... media quanto?

Cometi o pior dos pecados: não fui milionário.

Reparem nesse pato de corre. Reparem naquele cordeiro que pula. Reparem essa cerca que os animais estão fugindo.

Quão superficial é a alegria barulhenta da orgia!

Se você diz que o tens na tua mão...muito pequeno há de ser teu inimigo!

Se quer alcançar a Sabedoria...comece a correr agora!

O tirano admite que o odeiem, mas odeia que riam dele. E ainda mais que lhe joguem uma bomba.

Quanto mais brilhante a luz, maior o gasto.

A última vitima da Guerra disse, ao cair: “Que azar!”

Faz o mal sem olhar pra qual.

A hiena simula rir. Mas não entende as piadas.

Infeliz o mendigo que não conhece o prazer de dar!

O cego, ao se lavar o rosto, se reconhece.

Morrer...Estranha costume!

Consultei o travesseiro e me disse: “consulte um médico”

O humor não deve ser riso. Sim, sorriso. E, se for possível, choro amargo.

O otimista vê a taça meio cheia. O pessimista a vê meio vazia. O bêbado a vê em dobro.

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